Publicado : 2011-12-1
O simpósio ou grupo das comunidades, do amor global, do viver juntos, foi extremamente produtivo e esclarecedor. Estavam representadas as grandes comunidades de Damanhur (Itália), Tamera (Portugal), e Neot Semadar (Israel, no deserto do Neguev).
Esta última é uma comunidade de 90 adultos, 40 crianças e 50 jovens(nem sempre residentes), na qual o elemento espiritual é preponderante e realizado através da observação quotidiana de si próprio e dos outros, nomeadamente durante o trabalho comum.
Este é o trabalho do desenvolvimento pessoal, que é melhor feito, de forma mais eficiente, acelerada e quase que forçada dentro de um contexto de uma comunidade, na qual sai á luz do dia tudo aquilo das pessoas que, na vida normal em sociedade, está escondido.
Foram discutidos temas como a sexualidade e a espiritualidade, em relação às quais as três grandes comunidades, apesar de estarem de acordo sobre o básico - o amor, a cooperação, a transparência e a solidariedade ? apresentaram modelos muito diversos, que, no fundo, reflectem a cultura italiana, germânica ou judia que lhes deu origem.
Alguns elementos foram considerados essenciais para a viabilidade duma comunidade:
Visão elevada comum. Abertura das pessoas á transformação, pessoal e comunitária. Abraçar a diversidade ao mesmo tempo que buscar a unidade. Estruturas participativas e processos transparentes de tomada de decisão, flexíveis mas organizados a vários níveis. Espaços (e eventuais horários ou calendários) para actividades espirituais, bem como abertura ao silêncio. Canais e estruturas que permitam a expressão individual e a comunicação. Formas e mecanismos de resolução de conflitos. Formas e lugares para a arte e a criatividade.
As comunidades estavam representadas por fundadores, como Sabine Lichtenfelds (Tamera) ou Omri Yadin ( Neot S.) e pela representante internacional de Damanhur e presidente da rede de eco aldeias GEN, Macaco Tamerice( em Damanhur tomam nomes de animais?).
Foi dito que viver em comunidade é uma forma de se conhecer a si próprio. Um lugar onde se pode por e dar o melhor de si próprio e onde se pode transformar a realidade. Falou-se de como fazer desabrochar os valores interiores. No fundo, viu-se a comunidade como um contentor ou veículo e não como um objectivo.
Houve quem referisse que viver em comunidade é um acto político, pois representa um compromisso com o mundo e com a sobrevivência do planeta, sendo a política uma forma viva de organizar o ser.Tornando-se agora necessário para a humanidade, sobretudo no Ocidente, reaprender a viver juntos. Desta forma um novo modelo político está a emergir através da vida em comunidade. Pois é numa comunidade que se pode treinar e praticar a não-violência, a paz, o amor, a confiança, a transparência, a partilha dos recursos, o apoio solidário e o uso sábio do poder.
Foi referido o importante que é, alternadamente, irmos representando papéis diferentes, pois nalguns contextos somos nós que mandamos ou dirigimos e, noutros trabalhos colectivos, somos nós que obedecemos ou somos dirigidos pelos mais experientes nesse campo.
Outro tema referido, nomeadamente pelo facto de algumas comunidades terem começado por ser urbanas antes de terem ido ao campo, é o de que o facto de se viver numa cidade não é obstáculo a integrar uma comunidade. O importante é criar uma rede de solidariedade e comunicação. No fundo, uma comunidade é uma família dinâmica alargada, regida pelo amor.
Pode uma parte da comunidade viver no campo e outra na cidade ou pode fazer-se parte de todo um modelo de transição gradual da cidade para o campo ou da transformação da paisagem urbana pela introdução de elementos da vida da natureza. No contexto de Damanhur existe a forma de relatórios escritos, específicos, que as pessoas vão escrevendo e lendo quando voltam às cidades, para depois serem revistos quando voltam á comunidade rural.
Para os de N.S. a preparação foi feita na cidade, indo às vezes juntos ao campo, ou indo trabalhando juntos. Depois, num dia em 1985, oitenta adultos e quarenta crianças partiram em autocarros para o sul do deserto, para um antigo kibutz abandonado por as condições serem extremamente difíceis. È uma comunidade onde as pessoas mudam entre si periodicamente de casa para não ficarem agarradas ao passado e que se rege pelo assumir e aceitar desafios muito difíceis.
Um lema de Damanhur é: uma verdadeira comunidade composta de verdadeiros indivíduos. Com efeito, ninguém está interessado nas comunidades forçadas, que deixaram um traumatismo que alguns humanos ainda não ultrapassaram.
Pela minha parte, insisti em que o que mais importante me parece é que as pessoas estejam dispostas e interessadas em trabalhar o seu ego, para que gradualmente se possa criar um espírito de grupo, uma alma grupal.
Quanto á sexualidade a visão de das três comunidades é muito diversa, pois D e NS são sobretudo baseadas na monogamia, ao contrário de T. Também a liberdade germânica de T em relação ao corpo foi contrastada com a modéstia natural de N.S. Em Damanhur há toda uma preparação para o casamento, cujos laços são renovados anualmente, e para a concepção e nascimento de uma criança. Em Tamera as crianças são educadas em grande liberdade e autonomia, de forma a aprenderem também o espírito de solidariedade, de trabalho das emoções e de vida em comum. Tanto em T como em D as crianças estão a cargo das comunidades onde se inserem, havendo uma responsabilidade comum pela sua educação, nomeadamente a assunção da função paternal e maternal por outras figuras quando necessário, bem como os custos das escolas.
Em relação á liderança, em que às vezes o papel de fundadores carismáticos se pode tornar uma sombra, foram mencionadas as ideias de liderança colectiva, natural e temporária (como por exemplo os Reis ou Rainhas Guias de D, que são eleitos por seis meses, de forma renovável. De qualquer forma, esses cargos são vistos como um serviço espiritual á comunidade, por vezes com bastante sacrifício implicado.
Outro tema, sobretudo referido por D, é que a meditação é o trabalhar em conjunto. Assim, tanto em D como em NS, a energia da libido ou eros é canalizada para o trabalho artístico e de construção, enquanto em T essa energia é praticada livremente em encontros, com o objectivo de que o medo desapareça do campo do amor e para que cada um se sinta livre e aceite na expressão e evolução da sua identidade erótica. Também em T a ideia é de que, assim como se constroem espaços de retenção da água para a sanação da paisagem e do planeta, assim se podem, através das relações, ir construindo espaços de acumulação de energia amorosa, que possam depois ser doados ou partilhados com outros seres mais necessitados.
Foi dito que não é fácil viver em comunidade, pois nela se nos é mostrado o que de nós não queremos ver. Que há fricção, sem a qual não há evolução e aprendizagem. Mas foi também lembrado que os conflitos se resolvem sempre a um nível mais alto do que aquele em que surgiram.
Foi ponto assente que uma comunidade não pode ser imitada, ou seja que a intenção que preside á fundação de cada uma é sempre muito diversa.
O que é necessário é criar as condições para que o ensinamento ou a guia interior possa ocorrer e manifestar-se. Sendo necessário invocar a intenção, que depois dará essa guia ou ensinamento e sabedoria. No fundo, não é tanto uma questão de ideias, que vêm depois, mas de algo de visceral e espiritual, da razão fundamental, do coração do impulso que dá origem á comunidade. Essa intenção vem quando se está aberto a algo, para que depois as pessoas sejam um veículo para a expressão dessa intenção, dessa visão de uma utopia possível.
Como ponto final, devo referir que houve muito interesse expresso em relação á criação de uma nova comunidade em Portugal, para que se possa manifestar aquilo que a alma lusa possa oferecer ao mundo.
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