Palestra feita na Espiral em 9-4-19
1. O ciclo dos romances do Graal e o Curso em Milagres são duas eflorescências do Espírito Santo na História da humanidade. Oito séculos os separam, mas ambos revelam o mesmo rio subterrâneo que vem à tona do social em momentos chave onde o Ocidente se redefine.
O ciclo dos romances do Graal é escrito num período de 50 anos, de 1175 a 1225, sobretudo em França e na Alemanha, e depois em Portugal, em Espanha e na Inglaterra, no qual se propõe um novo paradigma civilizacional.
Aos bárbaros, rudes, violentos e arrogantes cavaleiros medievais é apresentado uma visão, inicialmente pagã e depois cristianizada, da sacralização da guerra e das armas, a qual, aliada ao culto nascente pelo amor cortês, por uma dama em geral inacessível, reordena as prioridades da elite da época.
Estes romances têm todos uma estrutura semelhante: Um rapaz que desconhece as suas origens nobres e o seu futuro glorioso, por um conjunto de circunstâncias e provas, entra no Jogo, como se diria agora, da busca do Graal.
Este é ou algo imaterial, ou uma pedra verde que caíra da fronte de Lúcifer, ou é uma taça que dispensa a luz, o sustento e a graça àqueles que, por ele chamados, o conseguem ver e dele se alimentar. Ao fim de muitas provas o eleito é admitido à contemplação do Graal. Parsifal torna-se mesmo seu guardião.
Um Curso em Milagres é um texto, ditado por Jesus Cristo a uma psicóloga judia de Nova Iorque, onde é publicado em 1976. O seu objectivo declarado é levar o Filho de Deus, a humanidade, a voltar em consciência ao Paraíso, donde na realidade nunca saiu.
Através de um longo e denso texto de base e de 365 lições diárias vai explorando os vários temas da sua mensagem, que são usados em termos de afirmações, de meditações ou de observação das nossas interacções sociais.
O seu ponto fulcral é o de que temos em nós o Espírito Santo, o qual, se estivermos abertos, vai corrigindo os nossos erros, transmutando as atitudes e operando certos milagres, ou seja, mudanças da nossa percepção, que vão resolvendo os nossos problemas.
Quais são as semelhanças e diferenças entre as duas propostas?
2 Vejamos primeiro os simbolismos que ambas usam:
Os romances do Graal falam-nos de busca, de aventuras, embates, provas e torneios, de castelos encantados ou que são a sede do Graal. Da transformação que ocorre quando se encontra a taça e aqueles que a servem. Falam da “terra gasta”, seca, abandonada e improdutiva devido ao rei do Graal estar ferido e não poder participar nos ritos. Apelam ao herói redentor e ao manejo correcto da sua espada em defesa dos fracos, das mulheres, crianças, órfãos, viúvas.
O Curso, em modo oriental ou gnóstico, diz-nos que o mundo não foi criado por Deus, mas pelo ego, e que é um sonho, uma ilusão da qual há que despertar. Isso é feito pelo perdão, não daquilo que nos fizeram no sonho, mas do que nunca ocorreu. É essa “expiação”, cancelamento, ou desfazer de todo o passado que nos leva de volta ao Pai, ao Paraíso, donde na realidade nunca saímos. Como diriam os cristãos, ao salvarmos a nossa alma, como somos unos com a humanidade inteira, fazemos a “salvação” do mundo. Pelo que “um salva todos”.
3 As semelhanças são as seguintes:
a) Ambos tratam da transmutação do buscador, o herói que, ao encontrar-se a si próprio, aos seus irmãos, e ao Graal que eles servem, reactiva ou reactualiza o Reino, (do Céu, no Curso em milagres e do Graal, nos romances). Algo que já foi, mas se perdeu. Uma Idade de Ouro, Paz e Concórdia.
b) Ambos tratam desse recuperar do Paraíso. A nível cósmico através da cura da brecha da separação original, a nível individual pela superação da auto-imagem que o buscador tinha de si próprio.
c) Assim como o Curso nos diz que nada preenche a separação e ausência do lar paterno, assim o ciclo do Graal nos diz da saudade constante dos que dele se afastam.
d) Ambos nos falam do colectivo em termos que se podem comparar:
No Graal há uma ideia de diluição do buscador no corpo místico dos servidores do Graal; esses cavaleiros do Graal servem a humanidade de quem são como que representantes, ou protótipos.
No Curso há a ideia de que “comunicação é comunhão”, pois sendo nós uno, ao comunicarmos (e é essa a função do corpo) estamos a comungar com nós próprios, numa espécie de devoção não dual ao Ser que verdadeiramente somos. O Curso diz que “os outros não existem”, pois eles são nós, são os nossos pensamentos em acção. Como alguém diria: “os outros são as partes de nós que vamos recuperando”.
Desta forma, tanto o Graal como o Curso falam, à sua maneira, do sanar da separação através da comunhão com todos aqueles que somos no eu mais vasto.
4 Tanto o Curso como o Graal nos falam da superação do ego separativo. Em termos actuais, poder-se-ia falar de virilidade espiritual e do sagrado feminino como vias de sanação e superação do ego pela extensão do amor a toda a criação. Poder-se assim dizer que estaremos a refazer o andrógino primordial.
Nos tempos do Graal ainda não havia o conceito de ego, esse escravo que se tornou o senhor, mas falava-se em termos que se podem equiparar. Assim como o Curso fala da necessidade de evitar o “especialismo”, esse desejo de ser diferente, superior aos outros, os romances falam-nos da necessidade do cavaleiro superar a arrogância, o orgulho e a desmesura, sendo também reprovadas a passividade e o abandono. A esta reprovação das duas direcções (inflação ou depressão) do ego no cavaleiro medieval podem-se ainda juntar as admoestações contra ele ser controlado só pelos seus desejos e aversões ou de se identificar demasiado com a sua personagem, o seu papel na escala social.
5 Ambas as propostas do Espírito Santo têm ainda mais em comum:
a) São alternativas ao Cristianismo tradicional, comparáveis antes às visões gnósticas e aos neoplatónicos. Assim, a sua ênfase não é no pecado, na culpa, no medo e na distância. Ambas insistem em que não são necessários intermediários ou padres entre o humano e o divino.
b) Questionam o que é a realidade, as aparências, ambas relevando o papel do sonho, desperto ou adormecido e da abertura ao mistério e ao desconhecido.
c) Diluem a dicotomia interior/exterior, pondo ênfase no interior como o campo onde as decisões são tomadas e as atitudes forjadas, que depois vão criando os acontecimentos exteriores, as provas ou confirmações.
d) Questionam o livre-arbítrio do humano separado, um personagem que é moldado nos seus hábitos, preferências e aversões pela educação social e, sobretudo, que tem uma ideia de si próprio que é herdada, cultural. O tema da predestinação é central ao mistério do Graal e o Curso diz-nos que não temos nada a decidir, tudo já foi feito e só temos que nos lembrar ou deixar que o que somos se manifeste. Isto porque a nossa vontade é a vontade de Deus.
e) Referem a necessidade da interacção com os outros para o processo de despertar do sonho, (como dizem o Curso e o Budismo), ou do “encantamento”, pessoal e colectivo, de que falam os romances. São os outros personagens do sonho que despertam e revelam em nós as nossas sombras e virtudes.
6 No que divergem as duas visões?
Claro que nos tempos do Graal o repertório de conceitos era muito mais limitado que o actual, a vida era mais simples, a forma como o humano se integrava no cosmos ordenado era mais directa e inquestionada. Certos costumes mais primitivos não tinham evoluído. A imaginação espiritual não era livre. Dogmas diferentes dos actuais imperavam e formatavam a consciência individual e colectiva.
Contudo, abstraindo da diferença de épocas, os dois temas que mais nos parecem sobressair como diferenças são:
Na época medieval, como anteriormente na Índia Védica, a noção de sacrifício, que, de resto, persiste ainda na nossa época, era essencial. Não “havendo” a ideia de sermos uno, quando um ganhava, outro perdia. Não sendo nós o Filho de Deus, a nada tínhamos direito pelo facto de o sermos -santos e inocentes como o Pai- pelo que, para receber algo tínhamos que pagar. Não se podia imaginar que “dar é receber”, como diz o Curso.
Tanto na época medieval como ainda agora persiste a ideia dualista de que saímos do Paraíso, quando o Curso nos diz que nunca de lá saímos. Meramente sonhamos o sonho do exílio…
7 Que significado tem hoje o Graal? Uma bela taça deixada na praia da consciência humana pela maré da História, política, literária e espiritual? Qual é o legado desses contos e romances que tanto marcaram um século e meio da Europa? Julius Evola responde que ele é “ a verdade daqueles que, sozinhos, podem legitimamente dizer-se vivos”. Helen Adolf diz que o Graal é “um oásis imaginário para os puros de coração”. Jean Varenne fala da sua “actualidade ardente” na nossa época poluída, na natureza e nos valores, à espera de uma resposta, de algo ou alguém que restaure uma ordem, um equilíbrio, um significado.
A razão por que o Graal continua a interpelar-nos é porque trata de questões individuais e colectivas, políticas e espirituais. Sendo um símbolo de unidade e de integridade é universal e eterno. No fundo, como viram vários autores, como Wagner, o Graal é o símbolo do coração humano, esse nosso coração, ou alma, onde duas forças se digladiam: o amor e o medo, o Espírito Santo e o ego.
A razão por que o Espírito Santo (ES) apareceu no Graal da Idade Média e reapareceu na nossa época com o Curso em Milagres é porque ambos são momentos charneira em que o Ocidente se pode redefinir, momentos de viragem, oportunidades históricas.
8 A nossa tese de que o Graal e o Curso em Milagres são uma eflorescência do rio subterrâneo do Espírito Santo, que testa a receptividade da consciência colectiva à sua mensagem transfiguradora, parece confirmada por vários estudiosos do Graal, que, aqui e ali, nos textos originais, destacam a aparição do Espírito Santo.
Ou é o castelo do Graal que diariamente recebe o influxo do ES ou é José de Arimateia que, na prisão, recebe as chamas do ES ou é o facto da bandeira do castelo do Graal ser a pomba (ou a cruz vermelha em fundo branco, que depois foi dos Templários e da Ordem de Cristo), havendo mesmo quem diga que “o Graal é uma Igreja do Espírito Santo”. O curioso é que, nessa época, surge também a visão do Abade Joaquim de Fiora, que nos fala da idade vindoura do ES, em que “todos serão monges”, não no sentido da castidade, da obediência e da pobreza, mas sim de que todos estarão dedicados a aprender e ensinar.
O movimento do Graal é do ES porque não é de Roma, que, nessa, altura substitui o Espírito Santo pelo culto da Virgem Maria. E, com efeito, a Igreja foi astuta perante um movimento que a punha frontalmente em causa. No Graal não há igrejas nem capelas, há castelos e palácios. Não há sacerdotes que oficiam, mas sim donzelas que levam a procissão do Graal. Existe uma linhagem de guardiões do Graal, que em geral decaída, contrasta pela sua nobreza de coração, (extensiva a toda essa comunidade), com a intolerância e dissolução do clero cristão da época. Também, o objectivo do Graal é o encontro com o divino em si próprio, uma interiorização mística que a Igreja, em geral exotérica, virada para a fé, para a devoção e para os ritos sempre temeu. Outro facto surpreendente é que não eram só cristãos que podiam combater pelo Graal, mas também pagãos. Além disso, o Graal era supranacional, uma ameaça para os reinos cristãos nascentes e supra-racional, para além das teologias dos doutores da Igreja, que nunca são mencionadas.
Mas, a ameaça maior, tanto do Graal como do Curso, em relação aos poderes estabelecidos que controlam o imaginário ocidental através de um storytelling cada vez mais refinado é que a figura, o exemplo e o ensinamento do Cristo está em transparência no Graal e declarado no Curso. Num dos últimos livros do Graal, “O Grande São Graal”, já com influência da Igreja, o livro do Graal teria sido escrito pelo próprio Cristo e transmitido ao autor por uma visão. Abrir o escrínio que contem o Graal significa entrar em contacto directo com o Cristo.
9 Nas histórias do Graal há que ver o nível histórico e o supra-histórico. Há que atender à História interior, das ideias, dos sentimentos, das aspirações, e à História secreta. Também, uma parte das histórias passa-se ao mesmo tempo num passado que pode ser longínquo, em que um erro foi cometido -e esse pano de fundo é sempre uma alegoria da Queda do homem e da necessidade de redenção- mas aponta-se também para um futuro escatológico que se deseja, um fim do tempo onde tudo terá feito sentido. Pelo que as histórias do Graal reactualizam o erro original e conduzem ao apagar e perdão dessa memória, o que permite a restauração do estado original de inocência, temas também centrais no Curso.
A atmosfera, a estrutura e o objectivo do ciclo do Graal visam a criação ou reemergência de um mito através de um jogo de arquétipos. Assim, impõe-se uma leitura simbólica que ilumine o efémero e as suas sombras e deixe refulgir a mensagem, sempre actual, da transmutação da personalidade e do redescobrir do nosso caracter divino. Se um mito é uma história poética que dá respostas às interrogações fundamentais de uma cultura, que dá sentido a uma forma de viver a vida, então o mito do Graal é certamente o da origem, natureza e destino da alma humana.
10 Os romances do Graal dão-nos um exemplo do buscador que descobre. As provas envolvidas são tanto de força e perícia físicas como psicológicas e espirituais. O Graal reprova não só o orgulho, a desmesura, mas o seu oposto, o abandono. Assim, o cavaleiro que, em relação às mulheres, perdia a sua função e dignidade, a sua virilidade sagrada, ao deixar-se possuir pela ânsia, pelos impulsos bestiais, pelo abandono da presença, sofria como que uma castração espiritual. Esta atitude de reprovação não era vista como algo sexofobo ou misógino, mas como respeito (que nessa época ainda não existia) pela mulher, que se torna então luz transfiguradora e vivificante, inspiradora e instigadora de feitos poéticos ou heróicos. Essa prova era também vista como uma necessidade que o cavaleiro tinha de mostrar autocontrolo como preparação da sua consciência para provas mais transcendentes, para poder aceder ao amor supra-humano, incondicional, o amor do Graal que leva aquele que o conhece ao Paraíso.
As qualidades do cavaleiro predestinado levam-no assim da cavalaria terrestre à cavalaria espiritual. Ele deverá tornar-se o herói das duas espadas, a temporal e a espiritual, deverá tornar-se o Senhor das Duas Coroas, a coroa régia de alguém que -ao tornar-se soberano de si próprio- assume também a tiara espiritual de pontífice. “Que aquele que é chefe nos sirva de ponte”.
11 O livro de Evola, O Mistério do Graal é também uma tese sobre o sentido transcendente da Espada. Este seria um tema que nos levaria longe, aqui referiremos só algumas ideias: uma imagem central destes contos é a espada perdida de Artur, que, de tempos a tempos, emerge das águas de um lago e que, cintilando, espera aquele que virá empunhá-la; é a espada que, em todos os contos do Graal, Arturianos ou mesmo escritos na nossa época, estando cravada numa pedra ou numa árvore, á guarda de um rei idoso ou de uma figura mítica no alto de uma montanha com nevoeiro, espera pelo predestinado, que, com ela, quebrará os encantos e sortilégios que adormecem o rei do Graal num torpor doloroso que torna desolado o Reino. Ele torna-se Rei do Graal e a espada é o sinal indiscutível da sua realeza, do seu mandato celeste. A espada reconhece-o, mesmo em mãos de outros voa para ele. Se ela se partiu -e isso ocorre muitas vezes nos romances e sagas- o herói sabe reconstituí-la. No caso do Perlesvaus, ele partira-a de propósito duas vezes contra uma vara de ferro e conseguira reforjá-la, mas, à terceira, não o conseguiu, o que levou o rei ancião a dizer que ele só conseguirá fazê-lo “quando ela estiver inteiramente na sua posse”, espiritual, entenda-se.
A temática da espada é muito variada: mágica, perdida, partida, meio desembainhada, escondida, roubada, forjada por quem e para quê, guardada por quem e em que contexto, com quais inscrições (como “Que São Miguel me desembainhe!”), com quais pedrarias ou relíquias no punho, a quem pertenceu anteriormente. De todas as provas, o desembainhar da espada inacessível e o reforjar da espada partida são as duas mais importantes. Em certos romances do Graal, como no “Grande São Graal”, a espada é tão estimada como o próprio Graal. Quando ela é transmitida (ainda agora em certas cortes do Oriente) ela transmite uma função. Quando ela está presente no trono é como se o soberano ali estivesse presente em pessoa. A sua transmissão é feita com “secretes paroles”, pois ela é um instrumento, como o ceptro, de energia criadora, de manutenção e destruição. Tal como Itara, o falo simbólico de Shiva, ela “atravessa a corrente do tempo e do devir”.
12 É o entrosar do aspecto individual -em que o cavaleiro, ao ver o Graal, se descobre a si próprio- com o colectivo, a comunidade que guarda e serve o Graal, aqueles que puseram a sua espada ao serviço da tradição universal e primordial, comunidade essa, que, no Curso em Milagres, somos todos nós, é este entrosar, que permite o despertar colectivo: o libertar da humanidade do actual pesadelo materialista do dinheiro.
Cada um de nós, como um fractal que é do todo, do holograma a que chamam o mundo, pode despertar do sonho, da ilusão dos sentidos, da matriz de programação colectiva e o seu despertar é como uma luzinha que ilumina a escuridão. Cada um que desperte pode despoletar uma reacção em cadeia das sinapses mais eléctricas e entusiásticas da consciência colectiva, uma explosão de luz no cérebro planetário, o activar consciente de todo o nosso potencial energético colectivo.
13 Outros temas devem ainda ser referidos:
a) Trevizent, o eremita do romance de Wolfram von Eschenbach, diz ao jovem Parsifal: “ Esses cavaleiros do templo buscam longe aventuras; não importa o resultado do combate, glória ou humilhação, aceitam-no com coração sereno, como expiação dos pecados”. Também de Parsifal se pode dizer que não é um herói vazio, só que o seu ser interior ainda não despertou. O seu nome que uns dizem significar “puro louco” aponta para o facto de o mérito de um louco consistir em não ter nenhum compromisso com o mundo exterior. Como diz o romance ele não é “Ni tenu ni retenu”. Seres como ele são posse de Deus ou do Graal.
b) Quais são as virtudes do Graal? A virtude iluminante, essa luz sobrenatural que ele emana; dá alimento e vida, o alimento espiritual e vital que cada um, individualmente, precisa e deseja; cura a dor, o sofrimento e a enfermidade; transmite a força da vitória e domínio, sobretudo à espada do Graal e confere a alegria eterna. Tem também a virtude terrível, destruidora, de cegar e fulminar. No “lugar perigoso”, à mesa dos eleitos, abre-se um abismo, perante o qual o herói predestinado, como Parsifal tem que ficar impassível.
c) Quando o Budismo nos fala da equanimidade é também dessa impassibilidade perante o material, o filme que se desenrola diante de nós, que nos fala o Graal ao referir que, numa difícil prova, deve o cavaleiro ficar “sem reagir nem a provocações nem a desafios para combate, nem a gritos de socorro nem a se entregar a empresas cavaleirescas de justa vingança”. Como diz a dama Saelda ao cavaleiro Galvão, se ele não passasse esta prova, “a corte seria dissolvida”. Teria sido “uma noite de provas desastrosas” em que poderia ter recebido “o golpe fatal”.
d) O Graal representou no seu tempo o aflorar de um mal-estar metafísico, pois adivinhava-se que a Busca poderia resolver os problemas e contradições da Idade Média. Mas, afinal, o Graal foi testemunha de uma realidade metafísica que os cavaleiros medievais não souberam resolver: o Império tradicional não se pode realizar. É por esse mal-estar metafísico que Evola refere que “a supra História faz pressão sobre a História para a resolução da crise espiritual e temporal de toda uma época”. A superação do Cristianismo intolerante e monolítico e a necessária federação da Europa eram assim o “problema mudo” da Idade Média. O espírito do tempo invocava a aparição do herói das duas espadas para que ele pusesse a pergunta que cura e restaurasse uma ordem mais justa. Talvez se esperasse o herói do Graal a fim de que o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico retomasse a sua dignidade universal.
O projecto falhou e o Graal é levado para o Oriente. A História distanciou-se de novo da Supra-História. Mas a questão continua: enquanto as duas espadas não forem unidas numa só o mundo permanecerá dividido, desolado e desorientado.
e) Também em termos de literatura é enorme a dívida do Ocidente em relação aos romances do Graal. Foram eles que estabeleceram o género, a estrutura e a dinâmica que ainda hoje imperam: uma trama romanesca á volta de um enigma.
14 Tocaremos finalmente algumas essências, à guisa de conclusões:
O Graal é Luz, o Curso em Milagres diz-nos que somos Luz, e que essa Luz é Força, o que nos dá a impecabilidade. O Graal insiste na pergunta que deve ser feita para desfazer o encantamento; o Curso diz-nos para perguntarmos a Deus quem somos, pois temos direito à nossa herança, a saber que somos seus Filhos, um só Cristo colectivo. No Graal fala-se do herói, Parsifal, que se extasia amorosamente na Natureza ao ouvir e compreender o canto das aves. O Curso insiste que nunca deixámos de ser inocentes e que ainda somos tal como o Pai nos criou, puro Amor. Sendo como amor que devemos ver os outros, em vez de os julgar pelos seus comportamentos, que não são a sua essência. Ver a face do Cristo em cada um.
Que o Espírito Santo nos guie, pois e que um dia vejamos o Graal, pois já o vimos no Paraíso…Somos o Uno que nunca se partiu nem separou. Somos o Amor que tudo é!
Comments