Publicado : 2013-4-13
Era uma vez um quadro inacabado, uma capela imperfeita, um jardim mágico, uma obra que se tornara vida Não, não era este o começo da história, talvez o fim
A vida é uma pintura que fazemos numa tela ou ecrã que julgamos tridimensional. Entrámos nessa tela e fomos pintando e pintando Fizemos exposições e os outros acreditaram em nós
O sonho da noite existe como metáfora para este sonho físico e tridimensional. Também o sonho lúcido existe como introdução ao despertar.
Imaginamos ser coisas que não somos. Construímos castelos de cartas sobre o que julgamos ser, o que é a nossa vida e mesmo sobre a vida.
Contudo, aquilo que julgamos ser é só uma imagem. Uma imagem bidimensional, um pensamento, um hábito, um programa que se repete
Chamamos eu a uma sequência incoerente e provavelmente aleatória de pensamentos. Acreditamos no que vemos e ouvimos - a avenida marginal dos sentidos serve-nos de espelho aos desejos e confirma a identidade que vamos querendo ter.
Um dia chega, porém, em que ainda como ego - ousamos rebelar-nos e declaramos: sou quem não acredita nos pensamentos do ego uso os sentidos para pintar e comunicar, mas não sou as emoções e pensamentos a que o espaço e o tempo dão cenário
Não somos um objecto no espaço, mas uma confluência instantânea de energias. Somos um evento, senão uma festa. Contudo, fomos continuando a insistir na ficção de um ego permanente. Quisemos continuar a jogar o drama até ao fim
Ao longo da viagem, as suspeitas tinham-se vindo a avolumar: que parte de mim são programas? opiniões dos outros? falsas memórias? bolor da matriz?
Observámos a força do nosso desejo de ser, o medo ao silêncio, o horror ao vazio.
Mas continuámos a pintar, queríamos acabar a tela. Estávamos dispostos a não assinar, mas queríamos que fosse composta, coerente, agradável. Ainda queríamos ecos e espelhos, novas cores, combinações mais subtis
Tínhamos entrado na tela mas dela não sabíamos sair
Demos então a cabeça à espada e à guilhotina. Mas dissemos depois que elas eram de papel, que não cortavam
Quisemos ainda colar asas, Mas elas eram demasiado pesadas ou muito leves, grandes demais ou rasteiras
Mas um dia finalmente a tela rasgou-se, caíu a máscara de quem não eramos. Os que descobriram essa tela, rasgada e vazia, puseram-lhe uma moldura.
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