Publicado : 2011-9-23
O diagnóstico político e económico da crise planetária está feito, estamos no fim de um modelo que falhou. Contudo, nem os preservadores do status quo nem os críticos do sistema conseguem sair da caixa onde os seus antepassados ideológicos os meteram. A esquerda actual é filha do existencialismo, neta de Marx. Fiel a eles, não reconhece que o humanismo, laico ou cristão, falhou.
Quando na guerra fria se assistia á confrontação entre capitalistas e comunistas havia quem não acreditasse na encenação, pois ambos defendiam o primado da economia e da ciência sobre o espírito e a cultura. Essa é a questão que a esquerda ou social-democracia não quer encarar, essa a razão básica porque os movimentos sociais têm tido pouca participação. Claro que, quando chegarmos ao Outono ou Primavera e a revolução estiver na rua europeia, isso será um momento de verdade, de colapso do status quo e da crise que se arrasta desde 2007.
O que nem a esquerda, nem a direita vêem é que é na busca de identidade e no sentido que se dá à vida que está o busílis da questão. Como para ambas correntes a identidade está no corpo/mente e o sentido da vida é o fluir dos bens e dos corpos, escapa-lhes a identidade mais vasta e mais subtil que nenhuma pertença parcial lhe dará e escapa-lhes que cada ser é responsável pela sua vida; pois elas mantêm o ser solitário, desligado do todo, excepto na sua inserção em contextos familiares ou sociais. Ambas não querem ver que estamos perante uma crise de civilização, de um paradigma materialista que abortou.
O problema do espírito é que foi usurpado pelas religiões monoteístas, in bed com o poder e com o dinheiro. Para muitos o espírito ainda significa a religião, quando contudo se poderia dizer que a religião é talvez um obstáculo entre Deus e os homens. Se se reformulasse a palavra Deus, demasiado carregada e deturpada e em nome da qual se cometeram os piores crimes, a humanidade poderia ganhar. É então o Uno o nome do divino, é então o holismo que descreve a natureza da realidade e é a abordagem integral a única que explica o indivíduo e a sociedade.
O homem vive para o exterior, crê no cenário que lhe é proposto, joga segundo as regras que lhe ensinaram. Quando se revolta ou indigna não afirma nem se empodera ou responsabiliza, só reage, só se defende, não sonha alterar as regras do jogo da vida. Pois pensa em termos do que a história diz ser possível. Não imagina um salto quântico, uma singularidade, um cisne negro. Contudo essa é a probabilidade que nos espera: uma alteração de paradigma cultural e civilizacional.
Cremos na linearidade do tempo, não estudamos física quântica, não concebemos universos paralelos, linhas do tempo, fractais, hologramas, não sabemos da não-localidade, conceitos que a ciência validou e nos mostram que o espaço e o tempo não são como julgamos, que a realidade não é composta de objectos sólidos, mas sim de eventos de consciência que acontecem.
Suponhamos que no pós-guerra, a Europa Ocidental se dividia entre 50 % de esquerda e 50 % de direita, alternando. Depois, nos anos 80, o bulldozer anglo-saxónico conduzido por Thatcher e Reagan condenou a alternativa à irrelevância e, agora, a esquerda representa 10 % do eleitorado (os partidos ditos socialistas são gestores da crise, de centro direita, colaboradores do status quo).
De esquerda ou de direita, nunca estudamos a sincronicidade, essa relação holística entre eventos internos e externos de cada um. Como só acreditamos na matéria e nas histórias do muito ou pouco dinheiro, não imaginamos o contínuo energético invisível que a tudo nos liga. Como cremos no primado dos corpos e na ideia de que consciência é um epifenómeno, não concebemos que é a consciência, o observador, que determina o resultado da observação. Não sabemos que tudo é percepção e tudo são frequências e vibrações em certas áreas do cérebro. Não queremos ligar o fio á meada.
Ora as descobertas no campo na neurobiologia, da psicologia, da cosmologia e da física subatómica apontam claramente para um novo paradigma que está bater às portas da humanidade. Um paradigma onde a consciência é o eixo central, onde a realização do potencial criativo de cada um seria o objectivo da sociedade.
A humanidade não viu que, ao entregar-se ao reino da quantidade e da matéria, acabaria controlada pelo dinheiro, na ânsia de melhorar a sua imagem corporal, permitiu a política espectáculo dos fotogénicos irresponsabilizaveis, ao negar os arquétipos, o invisível e os ritos de passagem, caiu prisioneira da televisão, das telenovelas, dos jogos e do futebol que nos são impostos, que contudo poderiam ser instrutivos.
Poucos têm visão integral das coisas. Os filósofos fecharam-se nas palavras, que não praticam; os religiosos resignaram-se à maldade humana; os media vendem-se aos políticos, a quem continuam a dar asilo, enquanto os publicitários nos ditam o sentido da vida. Diz-nos Soltjenitzin, que há défice de coragem no Ocidente. Caímos na abundância formal de direitos e ausência de deveres, excepto o da escravatura ao sistema. É isso e o lento processo hipnótico de apatia causado pela televisão que explica a ausência da juventude nos processos de questionamento social. O pós-modernismo, com os seu dogmas de que a verdade não existe, de que tudo tem igual valor e que só o fragmento é real, impedem-nos de conceber uma sociedade baseada em pessoas que sintam a pertença ao todo e a fraternidade.
Poderemos estar a entrar numa nova Idade Média, que poderá ser de exclusão, com os ricos separados e defendidos das massas ou mais solidária e comunitária, motivada pelos valores unitários da consciência.
O eixo do materialismo, da quantidade, do dinheiro, do visível, do científico, da lei da mais forte, do relativismo, do egoísmo individualista, do mental, produziu a crise actual com a sua ganância, a sua falta de escrúpulos e de sentido histórico, a opressão dos povos, a crescente desigualdade entre ricos e pobres, o controlo dos políticos pelo capital, dos médicos pela indústria farmacêutica e das escolas pelo mercado de trabalho.
O desafio agora é fazermos um esforço de imaginação, responsabilidade, estudo e abertura de espírito e de coração, acoplando a consciência com o conhecimento prático e tecnológico.
Pois em relação ao caos que se avizinha as opções tradicionais não valerão. É o espírito que inspira a aventura humana, o desejo de nos ultrapassarmos, a capacidade de nos reinventarmos, a coragem de pormos em questão as regras do jogo. Só uns populismos extremistas se perfilam hoje como herdeiros do caos que chega. Dançamos no sopé do vulcão. Quando acordarmos já poderá ser tarde.
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