Publicado : 2021-11-01
Fala-se muito de narrativas, e, dentro do menu de conceitos em que “a vida na Terra” consiste, é uma das ideias mais tentadoras e mais perigosas.
1. Contudo, não há narrativa, ela não corresponde a nenhuma realidade. A narrativa é uma superstição. Uma tentativa de dar sentido e significado a tudo. De tentar conduzir e controlar a realidade exterior e de a negociar com a interior. De apaziguar as forças inconscientes e incoerentes. De restabelecer o primado do racional sobre o Ctónico e o Dionisíaco, a ameaça da irrupção do caótico.
Contudo, não há narrativa, pois tudo é simultâneo. A ideia de narrativa, filha da crença no tempo linear e do temor do desconhecido, é uma tentativa infantil, mágica, primitiva, de “fazer de conta”, de “como se as coisas fossem assim”. É uma lengalenga, uma cantilena, uma encantação. Uma tentativa de impor arquétipos e padrões pré-estabelecidos a uma realidade que aparenta estar em perpétuo movimento, mas se encontra estática no eterno agora. É confundir um caleidoscópio com um filme.
2. A narrativa é como um colete de forças que um maluco se aplique a si próprio na tentativa de controlar o manicómio…
Tal com a noção de escala ou de ângulo de visão, ou a divisão entre orgânico e inorgânico, ela é uma muleta para nos dar segurança. Tal como a mala da memória, onde levamos as roupas que compõem a ideia de uma existência linear separada.
O único sentido que as coisas têm é no todo, em que tudo é simultâneo. O sentido é que tudo se apoia e reforça. Em que, não havendo escala, o microcosmo é o macrocosmo (absorvendo os conceitos de fractal e de holograma). Em que cada ser humano é o Adão Cósmico.
Carregamos o universo. Contudo, o seu peso é ilusório, pois tudo é insubstancial e o universo está dentro da consciência, sendo só a projecção da nossa narrativa, aquilo a que damos credibilidade.
Uma narrativa é uma descrição. Mas, descrever, é dar realidade a algo, quando só o que não pode ser descrito é verdadeiramente real. O uno não tem princípio nem fim, não tem limites ou atributos. O que é, é.
A narrativa é, assim, um falso atalho, uma distracção. Leva-nos de um lugar que não existe a outro que também não existe, através de um tempo imaginário. É uma ponte desnecessária, um navio abalroado em vias de se afundar.
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