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João Motta

Butoh Self



Há o Butoh que fazemos para nós e o que é pensado ou improvisado para um público, para os outros. Há aquele que é treino e aquele que não distingue o ser do expressar. Que não conhece hiatos e não separa.

O Butoh é uma forma de exploração, através do corpo, de quem somos; desapiedada, objectiva.

O Butoh é não separar a vida da arte, não dar prioridade a nenhuma delas.

Ele é lento porque nos damos o tempo de observar como o nosso sentimento vai evoluindo. E nada julgamos, nada comparamos e nada nos impomos. Não hesitamos. Não buscamos o belo, mas não o rejeitamos.

Fazemos o filme com os nossos olhos, exteriores e interiores, não precisamos de ver butohs de outros, nem nos preocupamos com o efeito que fará sobre outros aquilo que vamos experienciando.

Butoh é um encontro com a vida, com a parte escondida ou desconhecida de nós, aquela que não queremos ver ou nos esquecemos, as nossas limitações, a nossa sombra, é o nosso rio subterrâneo.

Ele não pode ter qualquer premeditação, é uma descoberta contínua, uma cumplicidade de acompanhar o corpo.

No fundo é uma aceitação do vazio, uma atenção total ao momento. A descoberta da paz sem escolha.

E, se sentimos um ataque temporário de ego, observamos como ele se comporta, nas suas alianças com o tempo, na sua dignidade de andar bem erecto, com as máscaras que usamos para nós próprios e para os outros. E observamos os gestos maquinais que costumamos fazer, o que julgamos ser funcional.

Nessa entrega em que nos tornamos, nessa espera, podemos ficar imoveis bastante tempo, o tempo que estivermos sem pensar, doceis, sem prioridades nem objectivos, sem nada que fazer. Abrimo-nos a ser movidos.

Apesar de não usarmos um espelho ou camara de vídeo, vamos observando interiormente a infinita variedade e subtileza das expressões que cada músculo da nossa cara assume para responder ao sentir que o anima. Essa interpenetração e interacção entre corpo e espírito.

Desligando a nossa identidade do ponto de vista dos olhos, visionamos os múltiplos ângulos a partir dos quais os nossos movimentos podem ir sendo vistos, é como se estivéssemos a ser filmados por muitas camaras, os olhos do universo. Vai-se esbatendo a fronteira interior-exterior.

Não fazer movimentos desnecessários, esperar até ao máximo até iniciar um movimento. Fazer menos do que mais. Permitir-nos a imobilidade sem culpa.

Deixar que os músculos comuniquem uns com os outros e revelem o sentimento que a todos anima.

O sentimento pode ser de satisfação ou tristeza, mas o vazio é o pano de fundo, esse vazio gentil que nos acompanha e acaricia. Esse vazio que nos varre e nos embala. É benevolente e paciente.

E então veremos que tudo o que fazemos é arte, porque é autêntico, é novo, é único, irrepetível.



II

O Butoh é uma arte de confiança, confiança na vida, no universo, em si próprio.

Ele faz parte de um processo mais completo, que é conhecido no Zen e no Nô, que é o ritualizar da nossa vida. Ou seja, vamos tornando sagrada toda a nossa vida, desde que acordamos até que adormecemos. É uma arte de atenção ao momento e, para isso, no início, precisamos de recordatórios (reminders). Uns usam o bater da hora no relógio, outros um anel especial, outros a Natureza, outros têm um altar portátil em frente ao qual de vez em quando, ao longo do dia, se vão recolhendo por uns segundos.

E, apesar do nosso movimento em geral se ir tornando mais pausado, ganhamos tempo, pois fazemos tudo melhor, com mais consciência. Atenção á respiração, observando quando ela pode inesperadamente, suster a inspiração, o que poderá ser uma pausa para receber inspiração. Outra forma é lavar as mãos com presença e intenção: a pitonisa de Delfos fazia assim um reset, para apagar a memória do oráculo que proferira, estava sempre fresca.

Posição precária, para começar. Rodeado de lama, esticar a seta. Um elástico. Começar como uma palavra, uma imagem verbal. o representar da vida interior, o seu desvelar. Buscamos a origem das nossas emoções, do nosso medo.

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