Quem estudou a vida das revoluções, como a francesa de 1789, a russa de 1917 ou mesmo as portuguesas de 1910 e 1974, sabe que, apesar de necessárias e inevitáveis, todas traíram os seus objectivos. Porque, no caldo humano que nelas intervém, acabam por vir ao de cima os mais ambiciosos, os mais sedentos de protagonismo, os mais ressentidos, os mais cruéis, os mais insensíveis e, na verdade, os mais feios.
Além disso, o povo, em nome do qual se faz as revoluções, tende a ser uma massa informe que por vezes o que quer é voltar ao rame rame habitual, á falta de imaginação, aos jogos, ao pão, á televisão e á matéria. Quantos querem responsabilidade, cooperação, evolução, uma vida em verdade e ver para além das aparências e das ilusões?
E assim, as revoluções são apanhadas pela burguesia – essa classe sem identidade, tradição ou coração - que em nome da ordem se substitui ao povo, como motor e gestor das revoluções, das quais se aproveitam. Foi assim que em Portugal, a partir de 1834, tivemos os “devoristas”, esses comerciantes e nobreza liberal, que “devoraram” os bens da Igreja e do Estado, deixando o povo tão pobre quanto antes.
Vemos também na revolução russa e na nacional-socialista alemã de 1933 que as vanguardas, ditas esclarecidas, acabam por criar um Estado ainda mais forte, grande fonte de opressão, supressão e repressão. Pode-se dizer agora que as ideologias morreram nos escombros da guerra de 1939-45, que temos paz e somos ilustrados, ou pelo menos informatizados. Mas a natureza humana é a mesma: os nossos políticos actuais são tão incompetentes e corruptos como os do liberalismo monárquico e republicano.
Nem a questão do “regime” interessa. Uma monarquia poderia ter algumas vantagens de estabilidade e seriedade, mas tudo dependeria do rei que fosse escolhido, como em 1383 e 1640. Pois até em Espanha se viu que um rei que prometera, acabou por revelar pés de barro e, tanto em Espanha como em Inglaterra, a família real, numa época de abaixamento geral de standards, é fonte de vergonha nacional. Além disso, as castas régias, não só degeneraram mas em geral nunca foram inteligentes ou cultas: sempre preferiram a caça, os cavalos e os cães aos livros e aos quadros.
Quando um governante instalado ou um líder revolucionário projetam sobre o colectivo a sua mesquinhez pessoal, os seus medos ou as suas carências de infância. Quando ele é por natureza cupido ou tem imaginação a mais ou a menos, bom senso a mais ou a menos, excesso de idealismo ou de materialismo, isso pode ter consequências terríveis para milhões.
No caso de Portugal, quando vemos pessoas como Passos Coelho ou os economistas que o rodeiam, o que sobressai é o irrealismo: sacrificam a realidade baseados em receitas económicas falhadas ou em esperanças ideológicas desmistificadas durante esta grande recessão de 2007- 2013. Muito outra foi a revolução popular de 1383-87, em que os portugueses, contra a sua própria nobreza - de fidelidade hispânica ao rei de Castela - se revoltaram contra o invasor. Aí foi que primeiro se afirmou o direito “nacional”, o ser português, pois o direito dinástico e legítimo já não correspondia aos desejos e necessidades das pessoas. Assim como os “castelhanos” e “devoristas” tinham perdido a legitimidade natural, assim os actuais governantes deste planeta perderam a legitimidade espiritual, política, social e ambiental. Mas, para quê revoluções e mudar os mesmo homens por outros que se poderão revelar ainda mais incompetentes, cruéis ou corruptos? Tanto o rei de França Luís XVI, como o Czar Nicolau II da Rússia eram pessoas bondosas, só que pouco inteligentes e completamente divorciadas da realidade do seu povo. Tal como os actuais governantes, nacionais e internacionais, que não conseguem ou não querem ver a nova etapa em que a humanidade está a entrar.
Só uma revolução na sua consciência pode ajudar as pessoas - governantes e governados - a serem felizes. E essa pressupõe o tomar responsabilidade integral pela nossa vida. Não há ninguém para acusar, pois as personalidades são programas. Ou seja, aquilo que julgamos ser é meramente um conjunto de memórias, desejos, expectativas e preconceitos a que chamamos Eu. Temos que ter a humildade de reconhecer que somos programas e a vontade de encarar os nossos medos e de nos querermos melhorar e reprogramar.
O que é necessário são pessoas honestas, inteligentes e felizes, que não precisem de mais dinheiro, nem de serem mais importantes. Só essas podem desinteressadamente servir o colectivo. Estará o povo preparado para se abrir a novas formas de governança para além da falsa democracia que rege o nosso mundo…? Ou ainda terá que sofrer mais…?
Comments