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João Motta

A crise planetária e as comunidades intencionais II

Publicado : 2013-10-26


Como é que o fenómeno crescente das comunidades se relaciona com a crise que o planeta atravessa?

Uma comunidade intencional é um grupo de pessoas que se unem pela intenção de viver e partilhar um conjunto de objectivos e ideais que poderão um dia levar o planeta a tornar-se numa comunidade. Esse grupo pode ser mais ou menos permanente e mais ou menos contíguo no espaço, podendo uma parte ser urbana e outra rural.

As comunidades são formadas por pessoas que sentem afinidades, onde se observam as leis da simpatia e da correspondência. São pessoas que veem a longo prazo, abertas à transparência, à solidariedade, à tolerância, à sinergia e à compreensão das coisas.

Perante a decadência civilizacional e do tecido urbano muitos jovens e não só emigram para o estrangeiro, ao passo que outros, relativamente poucos, buscam a qualidade de vida e a própria sobrevivência no campo, várias vezes em comunidades. Alguns vibram verdadeiramente com o apelo da terra, da Mãe Natureza, que se sente desiludida ou abandonada

Para muitos de nós é uma busca de novos grupos intermédios entre o indivíduo e a humanidade ou o planeta, onde se possa sentir tanto o sentimento de pertença como o de liberdade.

Conheço várias comunidades, grandes e pequenas. Cada uma tem o seu sabor característico e a sua maneira de ser, que tem muito a ver com os principais objectivos que juntaram as pessoas. Das grandes, Tamera, no Alentejo, tem muito de activismo social, de cura do amor e da sexualidade, de universidade de verão, de movimento pela paz, e do uso da água para combater a desertificação. Damanhur, em Itália, tem uma espiritualidade única e muito central e uma ciência própria, nomeadamente da cura, ambas aliadas ao papel essencial da arte, que é vista como uma tarefa de todos. Findhorn, na Escócia, muito ligada à natureza e aos seus espíritos, é muito ecléctica e integral, com um papel pioneiro a nível mundial. No fundo, cada uma representa respectivamente o génio alemão, italiano e anglo-saxónico dos seus fundadores e da maioria dos seus membros. Todas as três têm um lado prático muito importante.

Para além dessas três grandes comunidades conheço várias outras em Portugal que estão a fazer um óptimo trabalho, desde o Awakened Life Project, a comunidade espiritual e de permacultura fundada pelo Peter Bampton perto de Arganil, à  Enxara, à Biovilla, à Aldeia das Amoreiras, à 108, e ao Vale da Lama.

Refiro também, a nível internacional, o movimento das eco aldeias, o GEN, que foi primeiro uma rede, mas agora se tornou um verdadeiro movimento muito dinâmico, que tem ajudado a conseguir apoios de outras organizações maiores e até de governos esclarecidos, como o do Senegal, que compreendem a importância da transição para a resiliência autossustentável. Na sua última reunião houve 300 participantes de 50 países e respirou-se um ambiente de entusiasmo, havendo novas eco aldeias a surgir por todo o lado e a conseguir fazer a ligação entre a sabedoria tradicional e as novas técnicas e abordagens.

Na evolução da humanidade vemos agora que os fractais do tempo e os ciclos do jogo se repetem e estamos perante escolhas semelhantes às que o passado não decidiu: Competição ou cooperação? Continuar no modelo monogâmico da família nuclear ou criar famílias espirituais? Sacrificar ao altar do dinheiro e da matéria ou desenvolvermos a criatividade, a satisfação connosco próprios e o jogo com os outros? No fundo, ser vítimas ou sermos deuses?

É possível que estejamos a caminhar para uma nova Idade Média. Quando o Império Romano caiu, seguiram-se séculos de barbárie, onde a cultura se refugiou nos mosteiros rurais e se preparou o renascimento da Europa. É agora possível que as cidades fiquem entregues ao trabalho escravo e à hipnose e estupidificação programada da televisão e que as novas comunidades e as suas redes sejam sementes de nova civilização.

 Vivo numa pequena comunidade perto de Lagos onde ainda estamos a construir ou desenvolver as infraestruturas e que poderá ser integral pois para nós a consciência, o trabalho sobre o ego, a relação da ecologia com a atitude espiritual, a ajuda mútua e a criatividade são a base.

Considero-me também cidadão de outra comunidade local que está a ser criada. É um centro terapêutico na natureza, com boas infraestruturas e que se quer transformar em comunidade. Há ainda várias pessoas com terras e casas na zona com as quais estamos a cimentar laços de entendimento para criar uma rede de espaços com funções diferentes.

Diz-se que as comunidades falham por questões específicas do género de comida, de propriedade formal da terra, de educação das crianças, de tipo de família ou sexualidade, ou até por falta de regras.

Acredito que essas questões, apesar de muito importantes, são somente consequências de crenças básicas inconscientes, nomeadamente se acreditamos na abundância, na cooperação e na complementaridade ou se nos vemos como vítimas do que nos rodeia. São essas atitudes e visão do mundo que criam a nossa realidade, ou seja, as experiências que temos e as relações que desenvolvemos com os outros.

Contudo, falando de novo a nível concreto e psicológico, eu diria que alguns dos outros factores básicos que poderão levar a uma vida satisfatória em comunidade, seriam os seguintes:

 Não acreditarmos demais no que nos diz o nosso ego, ou seja, nos nossos pensamentos e emoções. Não querermos que os outros sejam exactamente como nós. Sermos realistas sobre o que verdadeiramente queremos e podemos dar aos outros, clarificando as nossas responsabilidades. Realistas sobre as expectativas que temos sobre os outros. Realistas sobre o grau de conforto e privacidade que achamos necessário. E, sobretudo, verificarmos a convergência dos principais objectivos de todos os participantes, tanto os espirituais como os de alimentação-saúde, trabalho na terra e relação com os animais.

Pode ser que não estejamos preparados para as comunidades, mas, para muitos de nós, esse é o desafio evolutivo dos nossos tempos.

Com efeito, as pessoas que escolhem viver nas novas comunidades rurais estão a criar, a viver e a apresentar um sistema paralelo, quase invisível, onde os novos valores se afirmam. São valores mais ligados à confiança, ao serviço, à troca e até à dádiva. De certo modo, estamos a pôr em causa o paradigma da separação, esse grande dogma que é comum à ciência e à religião. De certo modo, estamos a trabalhar para o uno.

Assim, aqueles poucos de nós, talvez 5 a 10% da população, que se consideram seres de consciência, com um sentido ético mais avançado, vamos quase que sendo obrigados a fazer escolhas de sermos fiéis a nós próprios e a assumir responsabilidades pelas consequências ou ramificações das nossas atitudes.

Não podemos fugir mais às responsabilidades pois as nossas ações e omissões são como que fractais de um holograma mais vasto, onde tudo está interligado e tudo se interinfluencia. As nossas acções são criadoras de campos morfogenéticos. Elas encaminham o nosso mundo, a nossa realidade, o nosso jogo?

Essas escolhas responsáveis, em consciência, terão que partir de um egoísmo esclarecido, pois o nosso egoísmo actual é autodestrutivo. Terão que ser baseadas na automotivação, ou seja, não podemos esperar que os outros, o sistema ou o Estado nos deem a razão de viver. Terão que ser fruto da nossa própria criatividade. Não poderão ser copiadas de outros, pois cada um de nós tem uma missão única a viver.

Parece-me que, para quem verdadeiramente quiser esta nova forma de estar na vida há também um certo tipo de atitude que ajuda: por um lado, saber que somos criadores, completamente responsáveis pelo que ocorre na nossa vida. Por outro lado, acreditar, constatar e praticar que tudo é possível, tudo é permutável entre si e tudo é perfeito, o que poderia talvez tornar-se o ponto de partida ou base de uma nova visão prática do mundo, ou uma espécie de religião livre da nova era, que poderia talvez substituir a desactualização das outras?

Nesse contexto, seria bom se nos perguntássemos:

Queremos nós conscientemente criar realidade? Queremos nós dar vida ao campo? Queremos nós dissolver as fronteiras, criando pontes e não muros? Queremos nós observar os programas do nosso ego? Queremos nós abrir-nos à sincronicidade, em que o universo conspira a nosso favor? Queremos nós, finalmente, despertar do sonho colectivo?

É a hora. É a hora de fazermos alianças. É a hora de fazermos emergir a unidade. É hora de darmos corpo às nossas ideias. É hora de realizarmos os nossos sonhos!




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